A vida é um pau de sebo com nota falsa na ponta?

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fragmentos de um sonho bom (parte 4).


“Fico me perguntando como é que vai ser daqui a um tempo, caso não se mantenha o já parco vínculo familiar com a literatura, caso não se dê mais valor a uma educação cultural, caso todos sigam se comunicando com abreviaturas e sem conseguir concluir um raciocínio". (Martha Medeiros)

Cheguei cheia de vitaminas, mas vazia de proteínas! Cheguei querendo viver, ouvir, ver, ser... Cheguei inflada pela minha perspectiva romântica, pelo meu idealismo prosaico e pela minha esfomeada vontade de misturar as diferenças, e fazer disso, verdadeiramente, vida! A ficção que criei para impor minha existência e o “faz de conta” usado nas histórias que conto pra mim mesma e a outros sobre quem eu sou, quando em contato com a realidade, foram um fiasco, uma calamidade, a minha ruína. Estou dilacerada!

“Que o tempo insiste porque existe um tempo que a de vir” (Vinícius de Moraes).

Fiquei cega depois de ver pessoas que não tem coragem de examinar suas mágoas, derramarem sobre o mundo o seu desespero interior na forma de desrespeito e ódio dos outros. Fiquei surda depois de ouvir que a religião está virando superstição, a fé um show muito rentável, a paz uma balbúrdia, a família um pandemônio, o autoconhecimento uma perda de tempo e a compaixão uma babaquice. Intoxicada com as percepções distorcidas testemunhadas, atordoada com os valores desfigurados pela ignorância, envenenada pelo folclore desenhado por mim, sobre o mundo, para mim, desmaiei! Além de proteínas, me faltaram pulmões. Pulmões capazes de respirar merda por uma quantidade de horas indeterminada.

“A essência da existência é a dor” (Arthur Schopenhauer).

Escrevo movida por uma profunda preocupação pela dor, pela dificuldade e pela luta da minha vivência. Escrevo para narrar o lento e contínuo processo de degeneração de mim mesma. Escrevo por não ter companhia! A propósito, ao longo de minha vida, sempre fui terrivelmente isolada, rejeitada, desprezada e mal compreendida. Escrevo para não morrer asfixiada! Escrevo para me salvar do desalento, para propulsar o desamparo, para harmonizar divergências interiores e promover o resgate das emoções e do impulso humano. Escrevo para expor meus demônios, livrar-me do cárcere e despir-me inteira, completa, pra você! Que procrastinadora, nunca souber ler meus fragmentos. Escrevo para colorir o silêncio e silenciar o farfalhar. Escrevo porque foi a única forma que encontrei de me manter viva, de domar minha avidez pelo viver. Escrevo porque sou a luz acesa, o sol! Um sol derretendo o escuro do pessimismo, e por isso, nunca vou desistir de chamar sua atenção. Quero que você me enxergue, me interprete, me aceite, e assim, viva regida por mim. Quem sabe um dia eu consiga pegar aquele pensamento, acertar aquele sentimento em cheio, e encher-me de satisfação! Mas, como diz o poeta: a satisfação é a morte! E como é contra ela que eu vivo, então, enquanto viva, serei insatisfeita.

“É na arte que o homem se ultrapassa definitivamente”. (Simone de Beauvoir).

Abro os olhos... Estou deitada em uma cama confortável num quarto grande com paredes brancas, consigo mexer apenas com a cabeça, não sinto o restante do meu corpo. O coração em consistentes e acelerados pulos. A vista embaçada. Braços e pernas enfaixados. Tento mexer e realmente não consigo. O sentimento de impotência toma conta de mim. Mãe do medo, esse sentimento me corrói. Penso que a vida não pode ser um processo de “ajustamento” à sociedade, mas sou muito diferente. Tenho uma enorme dificuldade de manter meus pensamentos, intenções e sentimentos focados no mesmo sentido. Sou o paradoxo, a ambigüidade, a controvérsia, o dualismo, a ambivalência... Enquanto estava desmaiada, ouvi uma voz que parecia dizer ter escrito alguma coisa. A dor na cabeça é muito forte, não consigo lembrar o que exatamente continha nesse sonho, presságio, intuição... Inexplicavelmente, sinto-me menos fraca por saber que algo aqui dentro não vai desistir de mim. Esse “algo”, no sonho, dizia ser a luz acesa, o sol que quer derreter o escuro do pessimismo. Fiquei um pouco aliviada com esse sonho. Preciso, agora, juntar os cacos e integrar o “eu”, despedaçado. Penso que estou sentindo a loucura, vivendo a loucura. Estou conhecendo meu pensar emocional e, assim, expandindo mais um pouco o conhecimento sobre o que sou. A parte ruim, é que essa experiência provoca uma ansiedade exasperadora de vivenciar o mundo. Estou delirando de tanto inalar lucidez, overdose de desespero! Estou sendo violentada pelo excesso de informação, nocauteada. Uma vertigem assustadora... Desmaio, mais uma vez.

"Cada homem especula sobre como criar no outro uma nova carência, a fim de forçá-lo a um novo sacrifício, colocá-lo em nova sujeição e induzi-lo a um novo modo de fruição e, por isso, de ruína econômica”. (Karl Marx).

A pele velha tem que cair para que uma nova possa crescer. Você precisava passar por isso! Você precisava sentir nessa nova pele que está sendo formada como os humanos estão vivendo. O processo é longo e muito doloroso, a recuperação é lenta, mas você é forte! Eu sei que você vai resistir. Eu tenho cada letra, cada palavra, cada verbo, cada objeto direto, indireto, os dois juntos e até as locuções e os adjuntos da sua personalidade. Eu tenho cada oração, eu recebo todas as suas orações, até aquela que você julgou não ser uma oração por não estar com os olhos fechados. Enfim, sei cada período composto, que compõem sua tristeza, sua dor. Eu tenho todas as notas, sustenidos e bemóis da sua alegria. Eu guardei tudo que você usou para se construir. Conheço todos os detalhes, por isso, queria ajudá-la a ser o que sua essência tanto grita, implora, explode! Mas, você ainda não me descobriu. E temo que nunca descubra, pois, o momento histórico atual não valoriza quem se preocupa comigo, é considerado um alucinado quem enxerga meus sinais e um tolo quem procura me conhecer. Na verdade, assusto as pessoas, pois, sou conhecido como o calabouço, a masmorra da existência. Talvez por isso, sou cada vez mais deixado de lado. Bom, o momento histórico atual é regido, basicamente, por duas forças: a primeira é a moral cristã que, por meio de falsos profetas e errôneos caminhos, está levando os seres humanos à constante repressão de seus instintos e desejos. A segunda é o capitalismo que, por meio da globalização e da mídia, está fortalecendo a lei do menor esforço sofisticando o não pensar e aumentando a capacidade de fugir do dia a dia e de si mesmo. Assim, estamos nos transformando numa sociedade de consumo assombrada pela religião. Uma sociedade que não conhece seus desejos genuínos, singulares, autênticos, por não conhecer a si própria. A vida, a convivência, a consciência são arrabaldes sacrificados e abandonados, em prol da propriedade.

"Deus, para a felicidade do homem, inventou a fé e o amor. O Diabo, invejoso, fez o homem confundir fé com religião e amor com casamento". (Machado de Assis).

Abro os olhos novamente... Náusea! A boca seca, incapacidade de gritar ou até mesmo de falar qualquer coisa. Meus olhos vendados e os ouvidos protegidos. Estou internada recebendo colágeno, actina, miosina, queratina, anticorpos... Estão reabastecendo minhas células com proteínas e consequentemente cuidando da minha troca de pele. Isto é o pouco que entendi sobre o que estão fazendo comigo, sobre o que está acontecendo comigo. Tubos no nariz regulam meu sistema respiratório. Meu organismo está sendo reconstituído e preparado, mas preparado pra quê? Preciso disso? Agora, mais do que sempre, só tenho os pensamentos como companhia. Pensar é minha distração, meu fôlego, minha salvação. Lembro que sonhei mais uma vez com uma voz. Uma voz que parecia sair de dentro da minha cabeça, esta voz tentava me explicar o sistema que as pessoas vivem. Pensar nesse sonho, me faz sentir como se estivesse indo pra um lugar desconhecido, mesmo assim, insisto, o esforço mental imposto por mim nessa busca, me faz vislumbrar falhas éticas em meu comportamento, posturas que negligencio, por não saber lidar com as mesmas, são elas: militância política e religiosidade. Sinto que preciso urgentemente preparar uma via para exercer minha religiosidade, que é algo bem diferente de religião. Preciso preparar também uma via para exercer minha militância política, que independe de partido. Militância política é algo natural em todos nós, o segredo é descobrir a melhor maneira de explorá-la. Estas duas vias exigem prudência, perspicácia e diligência nas suas construções e manutenções. Feito isso, a base para afirmar minha potência de vida estará estabelecida.

"A alma nasce velha e se torna jovem. Eis a comédia da vida. O corpo nasce jovem e se torna velho. Eis a tragédia da alma". (Oscar Wilde).

O que estou fazendo não é um culto ao idealismo, ao existencialismo, ao humanismo, ao romantismo, ao racionalismo, ao empirismo, etc. Eu estou, na verdade, é misturando tudo! Pois, uma certeza solidificou-se em mim: sou nada! E isto também não significa uma queda ao niilismo, e sim a afirmação da vontade de descobrir, de conhecer, de me humanizar, mas na melhor acepção que essa palavra pode possuir.

“Não quero faca, nem queijo. Quero a fome!”. (Adélia Prado).

Estamos nos preocupando com os sintomas e não com as causas. Atualmente, apropriamos como confortável tratar das doenças, em vez de consolidar a saúde. Antes de mergulhar na religião, de procurar cartomante, regressão, amante. Antes de provar as coisas externas que são anunciadas e prometidas como a grande e única solução, salvação, conheça a si mesmo! Tenha a disposição de muito mais que estudar sua alma, enfrentar as dores de ser a própria!

Um brinde à disposição!

“O melhor de mim é aquilo que eu ainda não sei.” (Clarice Lispector)

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